Pedofilia, exploração sexual

Infanto-juvenil e as alterações do ECA à luz da realidade brasileira
Yuri Giuseppe Castiglione é Promotor de Justiça da Infância e Juventude e integrante
do Grupo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Violência, Abuso e Exploração
Sexual contra Crianças e Adolescentes do Ministério
Público/SP


Em recente levantamento realizado pelo Departamento de Polícia
Rodoviária Federal[1]
foram constatados 1819 pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e          
adolescentes no Brasil. Desse total, 227 pontos estão situados na Região Norte,
405 na Região Nordeste, 310 na Região Centro-Oeste, 476 na Região Sudeste e 401
na Região Sul. Este dado se torna ainda mais alarmante se considerarmos que a
estatística ora mencionada se refere apenas às estradas federais, ou seja,
nesses números não estão incluídas as rodovias municipais, estaduais nem tão
pouco as vias situadas no interior dos Municípios.


Nesse contexto,
em 25 de novembro de 2008 foi editada a Lei 11.829/2008, a qual alterou o
Estatuto da Criança e do Adolescente com o fim de aprimorar o combate à
produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a
aquisição e a posse desse material. Apesar das lacunas ainda existentes que
poderiam e deveriam ter sido supridas pelo legislador, a lei em testilha merece
elogios, uma vez que, nos artigos 241-A, 241-B, 241-C e 241-D capitulou como
crime algumas condutas relacionadas à pedofilia na internet, as quais até então
estavam à margem da lei, pois não eram consideradas ilícitos
penais.


A primeira
alteração digna de destaque, prevista no artigo 241-A da Lei 8.069/90, diz
respeito à criminalização da divulgação de foto contendo cena pornográfica ou de
sexo explícito de criança ou adolescente por qualquer meio de comunicação. Nessa
hipótese, quem incidir em tal conduta estará sujeito à pena de 3 a 6 de reclusão
e multa. Praticará, ainda, o mesmo delito toda e qualquer pessoa que assegurar
os meios para o armazenamento desse material em sites e blogs permitindo o
acesso de internautas às imagens ou vídeos. Destaque-se que a mera existência de
imagens ou vídeos com esse conteúdo disponibilizados em páginas eletrônicas da
internet para o acesso a internautas é suficiente para caracterização dessa
infração penal, sendo desnecessário o efetivo ingresso por
usuários.


Outra
significante novidade introduzida pelo mencionado diploma legal é a punição da
compra, posse ou guarda de material pornográfico envolvendo criança ou
adolescente, estampada no artigo 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A pessoa que mantiver esse tipo de material obsceno consigo poderá permanecer
presa pelo prazo de 1 a 4 anos de reclusão, além de ter que se sujeitar à pena
de multa.

Além dessa
inovação legislativa, deve-se ressaltar, também, a criminalização da montagem de
imagem de criança ou adolescente simulando a sua participação em cena de sexo
explícito ou pornográfica falsificando-se ou modificando-se uma fotografia ou
vídeo. Estará sujeito à penalidade de reclusão de 1 a 3 anos e multa, prevista
no artigo 241-C do Estatuto quem comercializar, disponibilizar, adquirir ou
guardar fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual
montada ou simulada. Ainda que a simulação ou montagem sejam facilmente
perceptíveis, é possível a penalização do responsável, pois a finalidade desse
ilícito não é punir a contrafação de determinado material, mas sim zelar pela
integridade psíquica e moral da criança e do adolescente.
Por fim, a última
infração alusiva à pedofilia recentemente criada e que merece destaque é a
prevista no artigo 241-D da Lei 8.069/90, o qual tem por objetivo censurar o
assédio à criança como ato preparatório dos delitos de estupro e atentado
violento ao pudor. Esse crime visa à punição de quem alicia, assedia, instiga ou
constrange criança com o fim de com ela praticar qualquer ato sexual. Mesmo que
o agente apenas facilite ou induza o acesso de criança a material contendo cena
pornográfica ou de sexo explícito com a finalidade de com ela realizar atos
libidinosos, será punido com a pena prevista neste tipo penal, qual seja, de
reclusão de 1 a 3 anos e multa. Por exemplo, se determinado indivíduo enviar
fotos pornográficas ou de sexo explícito a alguma criança durante uma conversa
num “chat” em sala de bate-bapo na internet visando à prática de atos sexuais
com ela deverá ser responsabilizado pela prática do delito em questão.
Além disso,
responderá também pela prática da mesma infração penal o agente que assediar
criança com o fim de induzi-la a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente
explícita. Não é necessário que a criança efetivamente se exiba de forma
pornográfica ou sexualmente explícita. Basta, apenas, que ocorra o mero assédio.
Se o ato sexual vier a se concretizar com a criança, o crime será o de estupro
(artigo 213 do Código Penal) ou atentado violento ao pudor (artigo 214 do Código
Penal) e não o delito em análise.
É imperioso
enfatizar que o artigo 241-D do Estatuto merece uma crítica, pois o pedófilo
somente será punido se praticar o assédio contra criança, pessoa com até 12 anos
de idade incompletos. Logo, pela atual legislação, se o agente perpetrar
qualquer das condutas de assédio supramencionadas contra adolescentes, pessoas
com idade entre 12 e 18 anos incompletos, não haverá qualquer punição. Tal
omissão insere uma lacuna inadmissível, na medida em que os adolescentes foram
explicitamente excluídos da tutela penal estatal.
Com efeito, os
novos ilícitos penais introduzidos pela Lei 11.829/08 eram imprescindíveis para
a punição dos atos de pedofilia, os quais, até então não eram passíveis de
penalização no Brasil. Entretanto, apesar do esforço do legislador, somente a
criminalização de algumas condutas praticadas por pedófilos não é o suficiente.
São necessários maiores investimentos na prevenção, na educação e no social.
Nesse diapasão,
estudos realizados pelo Grupo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Violência,
Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes do Ministério Público
do Estado de São Paulo demonstram que, em regra, as crianças e adolescentes
vitimados vivem em condições de extrema pobreza e miserabilidade. Os infantes
normalmente se submetem à exploração sexual vendendo o próprio corpo e
participando de cenas de sexo explícito ou pornográfica, porque vislumbram uma
possibilidade de melhora em sua situação econômica vexatória. Aliás, a
esmagadora maioria de crianças e adolescentes explorados possui a concordância
expressa dos genitores, os quais oprimem os próprios filhos como forma garantir
o sustento da família.
De fato,
analisando-se a realidade brasileira é possível concluir que apenas uma
legislação mais rígida não soluciona o problema da pedofilia e da exploração
sexual infanto-juvenil. Avanços nas políticas
públicas de enfrentamento são indispensáveis. É imprescindível a construção de
um conjunto de ações com iniciativas integradas tanto dos poderes executivo,
legislativo e judiciário, quanto da sociedade civil. Para o efetivo combate ao
turismo sexual, à pornografia na Internet e ao crescimento da pedofilia no
Brasil
é fundamental uma melhor estruturação efetiva do sistema de
garantias com o fim de transpor as dificuldades encontradas na preservação dos
direitos preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nessa linha de
raciocínio, a mera edição de textos legais protetivos de uma pluralidade de
direitos e liberdades não garante que crianças e adolescentes possam exercer
plena e livremente os seus direitos ou permaneçam realmente protegidos contra a
exploração sexual. Institutos como a boa-fé, ética e moral tornaram-se simples
matéria de discussão acadêmica. Na prática, o cotidiano revela uma sociedade
capaz de relevar seus valores máximos em troca de vantagens patrimoniais e
pessoais, quer sejam lícitas ou ilícitas, em detrimento dos direitos
fundamentais das crianças e dos adolescentes.
Dentro desse
contexto no qual há um verdadeiro falecimento do ser humano enquanto ser social,
a grande maioria da população desconhece seus direitos. Numa comunidade em que o
desrespeito à ordem e aos bons costumes é o politicamente correto, não conhecer
os direitos fundamentais da criança e do adolescente é o mesmo que não os ter. A
falta de informação, de cultura e o analfabetismo são sintomas da falta de
cidadania comprometendo em vários aspectos a liberdade dos
infantes.
Por derradeiro,
um mundo justo e sem desigualdades não pode ser somente parte de um plano ideal,
platônico e utópico. Não é possível o Estado furtar-se em buscar mais e mais a
promoção de uma justiça social, dando informação e educação a todos para que
tenham conhecimento de seus direitos a fim de efetivamente exercê-los. O Brasil
tem que deixar de ser apenas uma democracia de papel.


Guia para a Localização dos Pontos Vulneráveis à
Exploração Sexual Infanto-Juvenil ao Longo das Rodovias Federais Brasileiras.
Mapeamento 2007/2008, p.15

Fonte: CLICK http://www.promenino.org.br/Ferramentas/DireitosdasCriancaseAdolescentes/tabid/77/ConteudoId/91bf3dc3-5355-4a6a-bace-33468bd2add2/Default.aspx

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